sexta-feira, 30 de junho de 2017

Periculosidade no transporte de inflamável

A Clarion S.A. Agroindustrial terá de pagar adicional de periculosidade a um motorista de caminhão que conduzia veículo com tanque suplementar com capacidade para 450/500 litros de combustível, para consumo próprio. A empresa recorreu da condenação, mas a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao seu agravo de instrumento, entendendo que o caso configura transporte de inflamável.
Segundo o relator, ministro Vieira de Mello Filho, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) anotou que o empregado apresentou prova pericial atestando que o transporte do combustível suplementar dava direito à percepção do adicional de periculosidade, previsto no item 16.6 da Norma Regulamentar 16 do Ministério do Trabalho em Emprego. O tanque reserva, esclareceu o Regional, é uma adaptação ao projeto original do veículo que, a despeito de obedecer a legislação do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), expõe o motorista a condições perigosas, justificando, portanto, o pagamento do adicional.
Em sua defesa, a empresa alegou que o motorista transportava carga seca (grãos), e não vasilhames contendo inflamáveis, caso concreto de que trata a NR-16. O combustível armazenado, explicou, era para consumo próprio, usado somente quando consumido inteiramente o do tanque principal do caminhão.
No entanto, o relator afirmou que a jurisprudência do TST entende que o transporte de tanque suplementar com capacidade superior a 200 litros de combustível equipara-se a transporte de inflamável e não mais para consumo próprio, o que afasta a incidência da regra de exceção prevista na NR-16, na forma do artigo 193 da CLT.
O relator concluiu esclarecendo que diante dos fatos e provas fixadas na decisão regional, que são impassíveis de reexame nesta instância recursal (Súmula 126 do TST), o motorista tem mesmo direito "à percepção do adicional de periculosidade, ainda que o combustível armazenado no tanque reserva seja para consumo próprio", como alegou a empresa.
A decisão foi unânime.

domingo, 18 de junho de 2017

A reforma trabalhista em detalhes

Grand finale, ápice, clímax, auge, apogeu – podem escolher a expressão. Qualquer uma delas serve. O 17º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região não poderia ter sido concluído de forma melhor, em sua conferência de encerramento, no final da tarde da sexta-feira, 9 de junho. A começar pelo tema, a polêmica reforma trabalhista, aprovada na Câmara dos Deputados no último dia 27 de abril e que agora tramita no Senado (PLC 38/2017) – a expectativa dos senadores governistas é que a matéria seja votada ainda este mês, provavelmente no dia 28, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, para então ir a plenário. Para destrinchar o assunto, um expert, o advogado e professor José Affonso Dallegrave Neto, mestre e doutor em direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-doutorando pela Universidade de Lisboa, além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho. E as mais de 1.200 pessoas presentes ao Theatro Municipal de Paulínia, onde o Congresso se realizou, ainda contaram com a participação do diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, que apresentou o conferencista e, como estudioso do direito comparado, pôs ainda mais "lenha na fogueira".
"É um tema oportuno e emblemático, o tema da hora, do dia", sublinhou Manoel Carlos, ao dar início às atividades. "A reforma trabalhista começou com alguns poucos artigos, e se ampliou muito, mas sem ser objeto de debate", criticou o desembargador.
Dallegrave não mediu palavras. Embora até concorde com algumas mudanças propostas na reforma, como a supressão do intervalo obrigatório de 15 minutos de descanso para as mulheres, antes do início de jornada extraordinária, ele resumiu o projeto de forma contundente: "É um pacote de maldades", enfatizou, sem tergiversar. "Começou educadinha, de forma tímida. A proposta original, apresentada pelo governo em dezembro de 2016, continha só cinco itens, incluindo a prevalência do negociado sobre o legislado, num total de sete artigos. Mas o substitutivo apresentado na Câmara dos Deputados [pelo relator da matéria na Casa, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN)] ‘escancarou a porteira' e fez subir para cerca de cem artigos. Se considerarmos os parágrafos e incisos, são aproximadamente 200 propostas de alteração na CLT", detalhou o conferencista. "É a cartilha da CNI [Confederação Nacional da Indústria], as "101 Propostas para Modernização Trabalhista", publicada em 2012, praticamente na íntegra."
As ressalvas do professor ao projeto são muitas. Segundo ele, de início a reforma previa para a terceirização de mão de obra, por exemplo, que ela seria possível, conforme o artigo 4º-A, em serviços determinados e específicos. "Mas, conforme eles sentiram que ‘a porteira estava aberta' no Congresso, propôs-se que a empresa possa terceirizar ‘quaisquer de suas atividades, inclusive a principal", assinala.
Quanto à tão decantada prevalência do negociado sobre o legislado, a estratégia dos defensores da reforma é fazê-la se acompanhar do enfraquecimento dos sindicatos, afirma Dallegrave. "O artigo 545 torna a contribuição sindical facultativa, e o 510-A abre a possibilidade de, nas empresas com mais de duzentos empregados, ser eleita uma comissão de representantes dos trabalhadores, para negociar diretamente com o empregador." Seria uma espécie de "rival" do sindicato, mas composta por membros sem força para negociar, adverte o professor, a começar pelo fato de que não teriam estabilidade no emprego. Ou até teriam, mas ela seria falaciosa, uma vez que, conforme propõe a reforma, no artigo 510-D, parágrafo 3º, o representante poderia sofrer a despedida arbitrária, com fundamentos em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. "O que significa dizer: por qualquer coisa", observa Dallegrave.
"Na contramão" do atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a reforma permite dispensas coletivas sem a necessidade de negociação prévia entre patrões e empregados (artigo 477-A), acrescenta o advogado. "O projeto é um golpe na jurisprudência, sempre em prejuízo do trabalhador."
Além disso, advoga o conferencista, ao instituir o intervalo para refeição e descanso de apenas 30 minutos, promover mudanças que permitem estender perigosamente a jornada laboral diária e rebaixar o status das normas de segurança e saúde do trabalho, a reforma pode ser combustível para tornar ainda maior o número de acidentes de trabalho no Brasil. "São mais de 700 mil acidentes dessa natureza por ano no País. Só perdemos para China, Índia e Indonésia", denuncia.
Se aprovada a reforma, o artigo 457 da CLT passaria a ser um verdadeiro "estímulo à fraude", sustenta o conferencista. Pela nova redação do artigo, as verbas remuneratórias, que integram o salário do trabalhador, se restringiriam a "importância fixa estipulada", "gratificações legais" e "comissões pagas pelo empregador". "Tudo o mais, como ajuda de custo, auxílio-alimentação, diárias, prêmios e abonos, ainda que habituais, não teria natureza salarial e, portanto, não produziria reflexos nas férias, no décimo terceiro salário e na aposentadoria", explica Dallegrave. "É só pagar ‘milão' por mês ao empregado e entupi-lo de prêmios que ‘tá' resolvido", brada o professor, cedendo à tentação de criticar a proposta "em português claro", como se diz.
Um dos pontos mais cruéis da reforma, argumenta o conferencista, é uma espécie de "tabelamento" – "pífio", segundo o professor – do dano moral, pelo qual a CLT, no artigo 223-G, passaria a dispor que uma ofensa de natureza leve daria origem a uma indenização equivalente a no máximo três vezes o último salário contratual do trabalhador vitimado. Se média, até cinco vezes; grave, até 20 vezes, e mesmo uma ofensa gravíssima não ensejaria mais do que 50 vezes o valor do salário mais recente da vítima, a título de indenização. "Vai dizer para um empregado que ganha salário mínimo que sua integridade física ou até a sua vida não valem mais do que cinquenta mil reais", desafiou Dallegrave, observando que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça preconiza como razoável, "para as hipóteses de dano-morte, a indenização por dano moral em valores entre 300 e 500 salários mínimos".
Para completar, tal como está proposta, a reforma trabalhista chega ao ponto de até mesmo inibir o direito de ação, ao instituir, entre outras inovações, a chamada "quitação anual de obrigações trabalhistas com eficácia liberatória das parcelas especificadas" (artigo 507-B). "Isso é muito grave", condena Dallegrave. Além disso, o PLC restringe, e complica, diz o professor, o acesso à Justiça Gratuita. "A simples declaração de pobreza não vale mais. O benefício só estará garantido a quem comprovar renda de no máximo 40% do teto dos benefícios do INSS, ou R$ 2.212,52 em valores atuais."
Ainda de acordo com a reforma, prossegue o advogado, a Justiça Gratuita também deixa de abranger as custas em caso de arquivamento dos autos, a não ser que ele tenha ocorrido por motivo justificável (artigo 844, parágrafo 2º), bem como os honorários periciais, exceto se o devedor dessa verba não tiver recebido qualquer crédito no próprio processo em questão ou em outra ação qualquer (artigos 790 e 790-B). A mesma regra se aplica aos honorários advocatícios (artigo 791-A).
Quanto a estes últimos, tornam-se um perigo para os reclamantes. "A Justiça do Trabalho está cheia de ações de risco, e a reforma cria uma sucumbência que vai de 5 a 15% sobre a liquidação da sentença, do proveito econômico ou do valor da causa atualizado", lamenta Dallegrave.
Calculadas sobre o valor do pedido, "que deverá ser certo, determinado" (artigo 840, parágrafo 1º) – leia-se "líquido", especifica o professor –, as custas também não hão de ser baratas, e um novo ajuizamento da ação, ao contrário do que ocorre hoje, estará condicionado ao pagamento delas. "E a essa regra não está prevista qualquer exceção", reage Dallegrave, indignado.
Em resumo, entende o conferencista, a intenção por trás da proposta de reforma trabalhista é reduzir direitos dos trabalhadores, violando o Princípio da Proibição do Retrocesso Social consagrado pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º (parágrafo 2º) e 7º (caput), e pela Constituição da Organização Internacional do Trabalho (artigo 19). Segundo esse princípio, leciona o professor, direitos fundamentais só podem ser modificados para melhor, o que, insiste ele, não é o que propõe o PLC 38/2016.
Concluindo os trabalhos, o desembargador Manoel Carlos endossou a fala de Dallegrave, reforçando sua contrariedade especialmente quanto à "tabela do dano moral", conforme ironizou. "Quem ganha mais vale mais. Só por isso já seria inconstitucional."
Fonte: TRT15, 18/06/2017

domingo, 4 de junho de 2017

Maior período de recessão econômica

O Brasil vai passar pelo maior período de regressão econômica desde o início do século 20, "agora é oficial". Além disso, vive uma guerra civil por outros meios, que não são os meios da política, mas do conflito institucional.

Descendo desse panorama depressivo à vulgaridade dos dias que correm, a definição do destino de Michel Temer deve causar repulsa à larga maioria dos brasileiros. Aumentaram as chances de que o presidente resista no cargo. Caso sucumba, a coalizão no poder será reposta por si mesma, por eleição indireta, a não ser talvez em caso de insurreição nas ruas.

Ainda que a solução atenda a desejos pragmáticos da elite de empresas e finança, é quase certo que o programa reformista saia avariado da crise e que o crescimento seja ainda mais rebaixado até 2018.

Pode ser ainda pior caso Temer, o Terrífico, permaneça no Palácio do Planalto sangrando a cada batida da polícia, a cada vazamento de inquérito. Mais: embora tenha votos para evitar um remoto impeachment, o presidente mal controla metade dos votos do Congresso, dizem seus aliados.

O crescimento deste ano vai sendo revisto de quase nada para nulo ou menos que isso. Será de qualquer modo o quarto ano de regressão do PIB per capita, um quadriênio de redução de renda maior que o de 1981-84, que ajudou a dar cabo de uma ditadura: quase 10% de perda, uma situação de guerra.

Talvez o desespero seja menor agora, pois a proteção social é muito mais ampla; a renda média é o dobro da registrada nos 1980. Mas o povo não mede sua revolta por comparações estatísticas, nem existe termômetro que alerte para explosões nas ruas.

A crise política, por sua vez, é apenas parte de convulsão maior, um combate cada vez mais extremado entre parte do sistema de Justiça (juízes, procuradores, polícia) e o sistema político. Isso é óbvio, mas são menos
evidentes as consequências da radicalização do conflito.

O sistema político vai combater pela sua sobrevivência. Vai se tornar mais repulsivo aos olhos do eleitorado quanto maiores o acordão ou a chicana que consiga aprovar. A Procuradoria-Geral se torna mais agressiva. Em semanas, deve denunciar políticos graúdos às carradas e irá à jugular de Temer. Levará o caso ao Supremo, que terá então de decidir se afasta o presidente para o processo.

Até a última flutuação dos humores político-judiciais, os relatos eram que Temer venceria no Tribunal Superior Eleitoral. Quanto aos donos do dinheiro grosso, a revolta com a nova instabilidade político-econômica, que era muda, se tornou gritante atrás das cortinas. Com ou sem Temer, quer-se o fim do tumulto, tanto faz quem seja o regente reformista.

Na política politiqueira, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, se tornou a solução mais provável para uma cada vez mais improvável queda do presidente. O PSDB foi isolado por afoiteza, soberba e rachaduras internas.

A coalizão no poder talvez resista sob o comando de uma aliança dos partidos carcomidos maiores, coadjuvantes nos últimos quase 30 anos: DEM e PMDB.
Em suma, estão dados os motivos de um voto de grande revolta na eleição do ano que vem: repulsa política e sofrimento econômico enormes. Aduba-se o terreno para candidaturas e programas aventureiros.