sábado, 3 de março de 2018

Audiência publica no TST debateu raios X móveis e periculosidade

Tribunal Superior do Trabalho realizou nesta sexta-feira (2) a primeira audiência pública de 2018. O objetivo foi o de obter informações técnicas, políticas, econômicas e jurídicas sobre a existência ou não de risco à saúde e à integridade física dos trabalhadores expostos à radiação ionizante dos aparelhos de raios-x móvel, com vistas ao recebimento do adicional de periculosidade previsto no artigo 193 da CLT. O tema é tratado em recurso afetado à Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) para ser examinado sob a sistemática dos recursos repetitivos, ou seja, a tese jurídica a ser fixada no julgamento deverá ser aplicada a todos os demais processos em tramitação na Justiça do Trabalho que tratem do mesmo tema.
Ao abrir a audiência pública, o presidente do TST, ministro Brito Pereira, lembrou que o Tribunal, em sintonia com os demais Tribunais Superiores e com a legislação mais moderna, inseriu dispositivo em seu Regimento Interno que permite ao relator planejar e convocar audiências públicas com a finalidade de subsidiar a formação do convencimento dos magistrados mediante a exposição de experiências técnicas e profissionais de pessoas envolvidas com o tema em discussão, com a participação ainda das entidades de classe e segmentos sociais que têm interesse na matéria. “É muito importante ouvir aqueles que produziram o ato, os que respondem por sua execução, os que estão sujeitos a seus efeitos e os que estudam suas razões e suas consequências”, afirmou.
Na mesma linha, o ministro Augusto César Leite de Carvalho, que convocou a audiência pública na condição de relator do recurso repetitivo, afirmou que a proposta da iniciativa é a de ouvir as pessoas que vivenciam o problema, quer de um lado, quer do outro. “A audiência pública tira os juízes daquela situação aparentemente confortável, da realidade monocromática da tinta sobre o papel, e dá novo colorido ao processo, um processo caleidoscópico, em que se permite conhecer a realidade antes de julgar a questão que está posta”, afirmou. “Tenho muitas dúvidas, mas estou com o espírito desprendido e tenho a certeza de que esse mesmo sentimento move todos os ministros que integram a SDI-1 e que vão querer ouvir os expositores, para saber em que território estamos a pisar”. 
Os expositores foram divididos em cinco painéis, seguidos de debates, nos turnos da manhã e da tarde. Cada um dispôs de 15 minutos para expor suas posições sobre a questão que será submetida a julgamento. Ao fim de cada painel, os especialistas responderam perguntas formuladas pelo relator e pelos demais ministros presentes.
A audiência foi transmitida ao vivo pelo canal do TST no YouTube, e o vídeo com a íntegra de todas as exposições está disponível neste link e no fim da matéria.
Segurança x risco
Nos painéis da manhã, as exposições se dividiram em duas correntes: a que defende que o uso de aparelhos móveis de raio-x é seguro e a que aponta a presença de risco à saúde dos operadores e demais pessoas.
Um dos principais argumentos da corrente que entende que os aparelhos não representam risco aos trabalhadores é o de que o equipamento é seguro e só emite radiação, em níveis baixos, quando ligado. Foi o que afirmou o primeiro expositor do dia, o físico Alexandre Bacelar, da comissão de Proteção Radiológica e ao Quadro de Pessoal do Hospital de Clinicas de Porto Alegre (HCPA). “Quando desligado, não há risco, e, quando utilizado, a radiação é emitida por 0,03 segundos – menos de um piscar de olhos”, afirmou.
No mesmo sentido, o especialista Paulo Márcio Campos de Oliveira, doutor em Ciências e Técnicas Nucleares pela UFMG, sustentou que o risco de contaminação é zero, e citou estudos que demonstram que os níveis de exposição à radiação são comparáveis aos níveis normais aos quais uma pessoa é exposta diariamente.
O primeiro expositor a fazer o contraponto no sentido da existência de risco no manuseio dos aparelhos móveis de raio-x foi o perito judicial Evandro Krebs Gonçalves, engenheiro civil especializado em Engenharia de Segurança do Trabalho e em Gestão da Qualidade para o Meio Ambiente. Ele observou que, com a crise no sistema de saúde, o raio-x acabou se tornando o principal equipamento de diagnóstico, devido à falta de recursos para exames mais sofisticados. Krebs lembrou que o aparelho móvel circula por todas as áreas do hospital, e, concluído o exame, fica parado em local sem proteção. “Se necessitamos de salas com toda infraestrutura, dentro de normas técnicas, para o equipamento fixo, qual a justificativa para não se ter o mesmo cuidado para os equipamentos móveis?”, questionou.
A médica Maria Vera Cruz de Oliveira, diretora do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, explicou a dosimetria da radiação como forma de comprovar que os profissionais envolvidos nos exames com raio-x móvel ficam de fatos expostos a índices que podem causar doenças decorrentes da exposição. “Não existe segurança absoluta quando se trata da radiação ionizante, que tem grande potencial de causar neoplasias”, afirmou.
A engenheira de Segurança do Trabalho Fernanda Giannasi, auditora-fiscal da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, fez um apanhado da legislação que regulamenta a matéria e lembrou que o que dá direito ao adicional de periculosidade é a exposição a agentes perigosos – no caso, a radiação, cuja existência não foi negada no debate. “O trabalhador exposto à radiação fica sempre com a indagação de quando ficará doente”, observou.
Nota técnica
No período da tarde, o foco das apresentações foi a Portaria 595/2015 do Ministério do Trabalho, especificamente uma nota técnica segundo a qual não são consideradas perigosas as atividades desenvolvidas em áreas em que se utilizam equipamentos móveis de raio-x para diagnóstico médico. Nos termos do documento, espaços como emergências, CTIs, salas de recuperação e leitos de internação não são classificados como salas de radiação em razão do uso do equipamento.
A nota técnica, elaborada em setembro de 2017 pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), vinculada ao Ministério do Trabalho, foi defendida pelo diretor técnico da instituição, Robson Spinelli. Bacharel em Física, ele afirmou que, quando se está a dois metros de um raio-x móvel, qualquer detector de radiação não aponta índices superiores à radiação natural, sobre a qual não há comprovação científica de que cause dano à saúde, “caso o contrário, a nossa existência estaria comprometida”. Segundo o físico, o índice ao qual as pessoas que trabalham próximas ao raio-x móvel podem estar sujeitas é ínfimo, e, portanto não caracteriza periculosidade.
Para o jurista José Affonso Dallegrave Neto, que estudou a legalidade, a legitimidade e a validade da nota técnica, ela viola o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal). O palestrante alegou também contrariedade a convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que não distinguem o aparelho de raio-x móvel do fixo para fins de periculosidade.
Outro ponto questionado por Dallegrave Neto na elaboração da nota técnica foi a ausência de consulta do Ministério do Trabalho à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o chefe do Serviço de Normatização e Registros do Ministério, Joelson da Silva, garantiu, na audiência pública, que a edição do documento seguiu o rito previsto para a elaboração e a revisão das normas regulamentares em saúde e segurança do trabalho. “Todo o processo contou com diversas reuniões de uma comissão formada por representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas, conforme a Convenção 144 da OIT”, ressaltou.
O questionamento que a nota técnica buscou responder é se médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e outros profissionais que atuam em áreas como CTI adulto, emergência e UTI neonatal teriam direito a receber adicional de periculosidade em razão do uso do equipamento móvel de raio-x. Para Regina Medeiros, médica e doutora em ciências radiológicas que se apresentou em outro painel da tarde dessa sexta-feira, a resposta é não. Segundo ela, o operador está a certa distância do aparelho, e existem protocolos de segurança a serem cumpridos. “Todos os que estiverem ali por milissegundos são orientados a permanecer a mais de dois metros. Não há uma significância em termos de risco, porque a ciência não conseguiu detectar níveis de radiação além da natural”, disse, aproximando-se da compreensão do técnico da Fundacentro. Mas, de acordo com a médica, as vestimentas de proteção não deixam de ser necessárias.